Análise de Caso: Jovens Skatistas e a Sociologia da Cultura

Como produtor cultural há mais de seis anos e diretor criativo da Agência Quintal Criativo, tenho vivido na prática muitos dos conceitos que a academia apresenta sobre cultura e sociedade. Tanto eu quanto Rafaela Giacon, coordenadora da nossa produtora, estamos cursando Pós-graduação em Produção Cultural, Arte e Entretenimento, buscando cada vez mais ampliar nosso conhecimento técnico e teórico como produtores culturais. Esta análise do estudo de caso dos jovens skatistas me permite conectar experiência prática com conceitos acadêmicos, oferecendo reflexões sobre como aplicar esses aprendizados no campo cultural.

SOCIOLOGIA DA CULTURA

Cleverson Schuengue

9/29/20254 min read

Cultura como Construção Viva

A história dos skatistas me faz lembrar de muitos projetos que já executei. Assim como no documentário "Histórias em Cada Esquina" registramos manifestações culturais que eram desvalorizadas ou invisibilizadas, a cultura do skate também enfrentou esse processo de legitimação. Quando comecei a trabalhar com cultura, percebi que existe uma hierarquia não declarada que coloca certas manifestações como "mais culturais" que outras.

O skate criou seu próprio universo simbólico, com regras, hierarquias e formas de pertencimento. Isso me lembra da dinâmica que observo nas oficinas de RPG que ministro: jovens que não se encaixam em outros espaços encontram ali uma forma de expressão e pertencimento. A cultura acontece onde tem vida, movimento, criação coletiva.

A legitimação do skate, culminando nos Jogos Olímpicos, mostra como as culturas são campos de disputa. Na minha experiência com editais, vejo isso constantemente: o que é considerado "cultura válida" muda conforme os ventos políticos e sociais. Por isso defendo que nossa função como produtores é ampliar essas possibilidades, não restringi-las.

Conflitos e Marcadores da Diferença

Trabalhando em Pinhais, cidade da região metropolitana de Curitiba, vejo de perto como jovens de periferia enfrentam criminalização de suas práticas culturais. Nas oficinas que ministro na rede pública, especialmente para alunos neurodivergentes, percebo como o preconceito opera de forma sutil mas constante.

O racismo estrutural que atinge skatistas negros é algo que reconheço em várias manifestações culturais periféricas. Quando o rap, o funk ou outras expressões ganham visibilidade comercial, frequentemente são "embranquecidas" e higienizadas, perdendo sua potência política e identitária original.

Como produtor cultural, aprendi que não posso ser neutro nessa disputa. Escolher quem apoiar, que projetos desenvolver e como contar essas histórias são decisões políticas que impactam diretamente na construção de narrativas sobre o que é cultura legítima.

Transformação Cultural Positiva

Vejo o skate como movimento transformador pela mesma razão que defendo o RPG na educação: ambos oferecem formas alternativas de ocupar espaços e construir identidades. Na oficina "Foco Criativo" que ministrei com recursos da Lei Paulo Gustavo, percebi como jovens que não se viam representados na mídia tradicional encontraram na produção audiovisual uma forma de contar suas próprias histórias.

O skate amplia o repertório de uso dos espaços urbanos, assim como projetos culturais bem planejados ampliam as possibilidades de uma comunidade se ver e se narrar. Nas pesquisas de patrimônio cultural que coordeno, encontro constantemente manifestações que foram invisibilizadas por não se encaixarem no padrão do que é considerado "cultura oficial".

As tensões que o skate gera são necessárias. Cultura viva incomoda, questiona, propõe outras formas de existir. Se um projeto cultural não gera nenhuma tensão, provavelmente não está cumprindo sua função transformadora.

Convergência Digital e Democratização

A convergência digital que os skatistas usam para documentar e circular suas práticas é algo que aplico diariamente no meu trabalho. No documentário "Histórias em Cada Esquina", por exemplo, usamos plataformas digitais não só para distribuir o conteúdo, mas para construir uma narrativa colaborativa com a comunidade.

Skatistas produzindo seus próprios conteúdos sem intermediação corporativa é exatamente o que acontece quando oferecemos oficinas de produção audiovisual para jovens. Eles deixam de ser apenas consumidores e se tornam criadores de suas próprias representações.

A democratização dos meios de produção cultural é uma das grandes oportunidades do nosso tempo. Como produtor cultural, vejo meu papel não apenas como executor de projetos, mas como facilitador dessa democratização.

Aplicações Práticas Para Produção Cultural

Esta experiência dos skatistas me ensina várias lições práticas. Primeiro, que diversidade cultural não é só um conceito bonito, é uma necessidade operacional. Projetos que não consideram interseccionalidades perdem potencial de impacto e transformação.

Segundo, que tecnologias digitais são ferramentas poderosas de inclusão, mas só funcionam quando usadas estrategicamente. No sistema Pinhas & Dragões, por exemplo, criamos narrativas que valorizam a identidade local justamente para que jovens se vejam representados positivamente.

Terceiro, que o papel do Estado é fundamental, mas precisa ser ocupado por quem entende cultura como direito, não como entretenimento. Nas licitações que participo, sempre defendo critérios que priorizem impacto social real sobre espetacularização vazia.

Estado, Incentivo e Transformação

Vivi na prática como políticas culturais podem incluir ou excluir. A Lei Paulo Gustavo financiou projetos como a oficina "Foco Criativo", mas sei que muitos grupos não conseguem acessar esses recursos por falta de conhecimento técnico ou rede de contatos.

O incentivo cultural precisa ser ferramenta de justiça social. No caso dos skatistas, isso significa não só construir equipamentos públicos, mas reconhecer o skate como prática pedagógica válida nos editais educacionais.

Como produtor cultural, me vejo como mediador entre demandas sociais e políticas públicas. Quando elaboro um projeto, não penso apenas na viabilidade técnica, mas no potencial transformador. Se não contribui para democratização cultural, não vale a pena fazer.

Reflexões Finais

A experiência dos skatistas confirma o que vivo no campo: cultura é plural, viva e disputada constantemente. Compreender esses atravessamentos me permite atuar de forma mais consciente e efetiva.

Culturas que parecem marginais frequentemente carregam potenciais transformadores imensos. O desafio é desenvolver sensibilidade para identificar, compreender e apoiar essas manifestações. Não é só sobre reconhecer diversidade, é sobre criar condições para que ela floresça.

Na nossa pós-graduação em Produção Cultural, Arte e Entretenimento, tanto eu quanto Rafaela buscamos justamente essa ampliação de repertório teórico para qualificar nossa prática. Teoria e prática precisam caminhar juntas para que possamos contribuir efetivamente para uma sociedade mais justa e democrática.

A Sociologia da Cultura nos oferece ferramentas para ler a realidade de forma mais complexa e atuar de forma mais transformadora. Como produtor cultural que começou nos palcos e hoje trabalha com políticas públicas, posso afirmar que esse conhecimento faz toda a diferença na hora de desenhar projetos que realmente importem.

Abraços culturais.