Colaboração com as Comunidades Locais: sem os guardiões, não há patrimônio
Por Cleverson Schuengue Produtor cultural, ator, músico, publicitário, autor, compositor e diretor da Agência Quintal Criativo Há algo que se aprende rápido quando se trabalha com cultura de verdade: quem guarda a memória de um povo não são os arquivos — são as pessoas. São elas que sabem onde tudo começou, como se fazia, por que se fazia, quem fazia e por que ainda se faz. Quando comecei a desenvolver o projeto “Inventário e Pesquisa sobre o Patrimônio Cultural Material e Imaterial de Pinhais”, sabia que não poderia ser um trabalho distante, técnico ou superficial. Minha formação em Publicidade e Marketing me ensinou a estruturar processos, pensar estratégias e comunicar com propósito. Mas foi a minha trajetória como artista — ator, músico, compositor, autor e produtor — que me deu o que nenhum curso ensina: a escuta sensível e a reverência por quem veio antes. E foi isso que encontrei ao longo dessa jornada: guardiões da cultura, pessoas que mantêm vivas as tradições da nossa cidade não por vaidade, mas por pertencimento, por amor e, muitas vezes, por resistência.
INVENTÁRIO E PESQUISA SOBRE PATRIMÔNIO CULTURAL MATERIAL E IMATERIAL LOCAL
Cleverson Schuengue
4/1/20253 min read


Cultura não se pesquisa sozinho: o valor das vozes locais
As entrevistas feitas durante o projeto não foram apenas etapas do cronograma. Foram encontros. Diálogos com representantes de comunidades indígenas, do CTG, da escola de samba, da capoeira, do acervo público, do ateliê de arte. Pessoas que vivem a cultura no corpo, na fala, na prática.
A escuta dessas pessoas deu corpo e alma à pesquisa. Foi nelas que descobri memórias que não estão escritas, mas que se carregam na voz. Foi nelas que percebi como a história de Pinhais é contada muito além dos livros — ela é cantada, dançada, representada, vivida.
A UNESCO afirma, em seus documentos sobre Patrimônio Imaterial, que “o papel das comunidades é essencial na identificação, valorização e salvaguarda de seus próprios bens culturais”. E é exatamente isso que vimos aqui em Pinhais: sem a participação das pessoas, não há patrimônio a ser protegido só dados sem alma.
Mais que fontes, são protagonistas
Durante a pesquisa, não tratamos os entrevistados como “fontes”. Eles foram e continuam sendo protagonistas desse processo. Cada fala, cada gesto e cada lembrança nos ajudou a montar um retrato mais justo da cultura local.
A contribuição da comunidade não veio apenas em relatos, mas em reflexões profundas sobre o que precisa ser feito para que essa cultura continue existindo.
Aroldo, da escola de samba, falou sobre a luta para manter o carnaval vivo mesmo com poucos recursos.
Eriton, da comunidade indígena, nos ensinou como a oralidade sustenta a identidade de um povo inteiro.
Luciano, no seu ateliê, mostrou como a arte molda e traduz o tempo.
Anderson, com o acervo público, reforçou que até o que já está guardado precisa ser reinterpretado.
Márcio, do CTG, destacou o quanto a tradição pode unir gerações em torno de algo maior.
O mestre de capoeira Marcelo (clone) nos lembrou que a roda é, antes de tudo, um espaço de formação e cidadania.
Essas falas me atravessaram como artista e também como cidadão. Porque cultura não se estuda apenas se vive junto.
Arte, escuta e pertencimento: um caminho de volta pra casa
Como publicitário, compreendo a importância de comunicar com clareza. Como artista, sei o valor de comunicar com alma. E neste projeto, pude unir essas duas visões para criar uma narrativa que reconhece os verdadeiros donos da história: as comunidades que vivem e mantêm essas tradições todos os dias.
Mais do que documentar, nosso papel como produtores culturais é servir de ponte. Entre o passado e o futuro. Entre quem sabe e quem ainda não ouviu. Entre o que é invisível e o que precisa ganhar luz.
A arte me ensinou a ouvir. A música me ensinou a sentir ritmo nas palavras. O teatro me ensinou a olhar nos olhos. A publicidade me ensinou a estruturar ideias. Mas foi a cultura popular que me ensinou o que realmente importa: estar presente.
O convite: reconhecer e valorizar
Essa matéria é também um convite. Para que você que está lendo reconheça que a cultura da sua cidade não é feita só por artistas consagrados ou eventos grandes. Ela é construída todos os dias por pessoas comuns que guardam saberes extraordinários.
Reconheça o mestre que ensina um ofício.
Valorize a senhora que canta na feira uma música ancestral.
Respeite o tambor que toca numa roda no fim de semana.
Visite o ateliê da sua cidade.
Pergunte, ouça, registre.
Como diz o professor e pensador Milton Santos, “a memória é um ato de resistência”. E quando uma cidade aprende a escutar seus guardiões culturais, ela se prepara não só para resistir, mas para florescer com raízes fortes.
Leia também as outras matérias do blog da Agência Quintal Criativo sobre o projeto.
Acesse: www.agenciaquintalcriativo.com.br
Se quiser conhecer os bastidores de cada entrevista, estamos publicando relatos semanais com trechos das falas e reflexões de quem faz a cultura acontecer.
A cultura vive onde há escuta.
E a gente segue escutando com respeito, presença e compromisso.
Imagem da logomarca da cidade de Pinhais esculpida em cimento no solo de um gramado verde, localizada no espaço conhecido como Bosque Bordignon. A escultura tem formato de mandala com traços arredondados e braços que se expandem a partir de um centro, lembrando uma árvore estilizada ou símbolo de equilíbrio. O símbolo está integrado à paisagem natural e representa a identidade visual do município, reforçando o valor do local como bem cultural e ambiental da cidade.