Foco Criativo: Retornando ao Colégio Humberto de Alencar Castelo Branco como Oficineiro
Entrar novamente pelos portões do Colégio Humberto de Alencar Castelo Branco depois de tantos anos foi como abrir um álbum de memórias vivo. Cada corredor, cada sala de aula e até mesmo o pátio carregavam lembranças da minha adolescência. Desta vez, porém, eu não estava ali como estudante, mas como oficineiro, um ex-aluno que retornava para compartilhar conhecimentos. A emoção de rever minha antiga escola, agora em uma nova função, misturou nostalgia com um profundo senso de significado. Como artista, produtor cultural e publicitário que um dia ocupou aquelas carteiras, senti um frio na barriga ao me ver do outro lado da sala, pronto para ensinar. Lembrei de quando eu era um jovem curioso naquele mesmo colégio, sonhando em trabalhar com criatividade e audiovisual, sem imaginar que um dia voltaria para falar justamente sobre isso. Foi impossível não sorrir ao reconhecer rostos cheios de curiosidade, pareciam comigo há alguns anos, com a mesma sede de descobertas.
Cleverson Schuengue
4/4/20257 min read


A Oficina Foco Criativo e a Lei Paulo Gustavo
A oficina Foco Criativo nasceu como parte de um projeto cultural aprovado pela Lei Paulo Gustavo, uma iniciativa federal de fomento à cultura. Graças a esse projeto, pude levar ao meu antigo colégio uma experiência enriquecedora, totalmente gratuita para os participantes. Ver a Lei Paulo Gustavo sendo transformada em ações concretas na minha comunidade foi inspirador, é a cultura chegando às escolas, formando novos olhares e talentos.
Durante dois dias intensos, realizei a oficina com turmas do 1º ao 3º ano do ensino médio. Tivemos em média 22 participantes por dia, jovens com idades e sonhos diversos, mas todos com brilho nos olhos ao falar de criatividade e tecnologia. A programação da oficina foi pensada para proporcionar uma imersão no universo do audiovisual, abordando desde os conceitos mais básicos até a realização de pequenas produções com recursos acessíveis, como o smartphone. A cada novo tópico, eu via os alunos se darem conta de que produzir vídeos, seja para um trabalho escolar, um canal de internet ou até mesmo uma futura carreira, está ao alcance de todos.
Criatividade em Sala de Aula
Desde o início, deixei claro que criatividade seria o fio condutor de tudo que faríamos ali. Propus dinâmicas para quebrar o gelo e estimular o pensamento criativo: pequenos desafios em grupo, brainstorming de ideias para histórias e até jogos rápidos que mostravam como é possível olhar para o cotidiano com uma lente mais criativa. Aos poucos, aqueles alunos tímidos foram se soltando. Era visível a satisfação quando eles percebiam que não há limite certo ou errado para criar que suas ideias, por mais simples que parecessem, podiam se transformar em algo interessante na tela.
Compartilhei um pouco da minha própria jornada criativa, contando como a curiosidade que nasceu na escola me levou a explorar várias áreas: do teatro e da música até o audiovisual. Expliquei que, em minha carreira como publicitário, muitas vezes usei exatamente aquelas habilidades criativas que começaram a ser moldadas ali mesmo, na juventude escolar. Eu queria que eles entendessem que a criatividade é como um músculo: quanto mais exercitamos, mais forte e versátil ela fica. E a oficina seria uma academia para esse músculo criativo.
Do Roteiro à Edição: O Conteúdo da Oficina
Com a base criativa estabelecida, mergulhamos nos conteúdos técnicos do audiovisual. Estruturei a oficina em módulos práticos. Os principais tópicos que exploramos foram:
Roteiro: Começamos pelo coração de qualquer produção, que é o roteiro. Apresentei os elementos básicos de uma narrativa audiovisual, cenário, personagens, conflitos, diálogos e ações. Mostrei exemplos de roteiros simples, inclusive cenas curtas do cotidiano escolar, para que eles visualizassem como se escreve o que depois vai para a tela. Em pequenos grupos, os alunos rascunharam ideias e criaram mini-roteiros, descobrindo na prática o poder de contar uma boa história mesmo com recursos limitados.
Enquadramento: Em seguida, partimos para a captação de imagem e o conceito de enquadramento. Discutimos como a escolha do que aparece (ou não aparece) no quadro influencia diretamente a mensagem e a emoção de uma cena. Apresentei os diferentes tipos de planos de filmagem, como plano geral, médio e primeiro plano e convidei a turma a identificar exemplos desses planos em filmes ou vídeos que eles já conheciam. Foi divertido ver a "ficha cair" quando eles perceberam que aquelas cenas marcantes dos filmes preferidos tinham toda uma lógica de enquadramento por trás.
Filmagem: Com roteiro em mãos e noções de enquadramento assimiladas, hora de filmar! Muitos alunos nunca tinham segurado uma câmera de forma consciente antes, então começamos pelo básico: postura ao filmar, como evitar imagens tremidas e noções de movimento de câmera (panorâmicas, zoom, etc.). Aqui os smartphones entraram em cena: mostrei que, com planejamento e técnica, o celular de cada um pode se tornar uma ferramenta poderosa de filmagem. Divididos em equipes, eles se revezaram nos papéis de diretor, cinegrafista e até atores, gravando pequenas cenas baseadas nos roteiros que criaram. A escola virou nosso set de filmagem por um dia, com direito a muita risada nas tentativas e erros, mas também àquela concentração boa quando todos queriam "a cena perfeita".
Iluminação: Uma vez com a câmera rodando, era hora de entender a importância da luz. Apresentei noções de iluminação mesmo sem termos equipamentos profissionais: aproveitando a luz natural das janelas, usando lanternas de celular como luz extra e até improvisando refletores com papel alumínio. Tudo virou uma brincadeira séria de experimentar como a iluminação muda o clima de uma cena. Eles se surpreenderam ao ver como uma cena filmada primeiro com luz fraca e depois com boa iluminação parecia bem diferente, entenderam na prática que o audiovisual é pintura com luz.
Edição de Vídeo: Por fim, chegamos à etapa de edição, onde a magia realmente acontece. Mostrei que não é preciso um computador superpotente para começar a editar: hoje em dia, aplicativos gratuitos no celular dão conta do recado. Demonstrei os cortes básicos, transições entre cenas, adição de música e algumas funcionalidades simples de um app de edição (como o CapCut, que é bem intuitivo para iniciantes). Os alunos ficaram fascinados em ver como é possível pegar aqueles vídeos que gravaram e, com alguns toques, transformar em uma história contínua com início, meio e fim. Muitos nem imaginavam como os vídeos que eles veem online são lapidados na edição, e saíram dali já querendo editar mais.
Audiovisual: Uma Linguagem Expressiva e Formativa
Um dos pontos altos da oficina foi discutir o audiovisual como linguagem. Mais do que uma sequência de técnicas, o audiovisual é uma forma de expressão poderosa e, ao mesmo tempo, uma ferramenta formativa para os jovens. Conversamos sobre como os vídeos estão presentes no nosso dia a dia: seja nos filmes e séries que amamos, nos tutoriais do YouTube que ensinam algo novo, ou nos pequenos vídeos caseiros cheios de lembranças de família. A linguagem audiovisual fala direto às emoções, combina som e imagem para contar algo que muitas vezes nem mil palavras conseguiriam.
Eu quis mostrar a eles que não estavam apenas aprendendo a fazer vídeos, mas a se comunicar melhor. Quando um aluno concebe uma história e a transforma em vídeo, ele está organizando ideias, exercitando empatia (ao pensar em personagens e situações) e desenvolvendo um olhar crítico sobre o mundo à sua volta. Além disso, trabalhar em grupo na produção audiovisual ensina colaboração, planejamento e respeito pelas habilidades de cada um. Vi isso acontecer diante dos meus olhos: tinha aluno quietinho que se revelou um excelente editor, outro mais agitado que liderou a direção das cenas com talento, e assim por diante. O audiovisual permitiu que cada um encontrasse uma forma de se expressar e contribuir.
No final, debatemos também sobre as múltiplas possibilidades profissionais que surgem desse universo. Destaquei que nem todo mundo ali vai virar cineasta, e nem precisa ser esse o objetivo. Mas entender de vídeo hoje é útil em muitas carreiras: do marketing à educação, da arte à tecnologia. Alguns alunos comentaram que já seguem "youtubers" ou tiktokers que admiram, e foi legal eles perceberem que por trás daqueles conteúdos também há roteiro, enquadramento, iluminação e edição, exatamente o que estavam aprendendo. Saíram da oficina não apenas com conhecimento técnico, mas com uma nova maneira de enxergar o conteúdo que consomem e, quem sabe, criar o próprio conteúdo de forma consciente.
Parcerias que Fazem a Diferença
Nenhum projeto desses acontece sozinho. Aqui, a parceria do Grêmio Estudantil e da direção do colégio foi fundamental para o sucesso da oficina. Desde o primeiro contato, recebi total apoio para organizar a atividade. O Grêmio ajudou na divulgação entre os alunos, garantindo turmas cheias e animadas. Foram eles que espalharam cartazes, passaram de sala em sala explicando o que seria a oficina e empolgaram os colegas a participarem. É muito bonito ver os próprios estudantes engajados em trazer mais cultura e conhecimento para dentro da escola.
Já a direção escolar mostrou-se parceira desde o início, cuidando da parte burocrática e logística para que tudo acontecesse da melhor forma. Reservaram a sala com projetor para exibirmos os slides e vídeos de exemplo, ajustaram os horários para evitar conflitos com provas e ainda estiveram presentes, acompanhando de perto e incentivando os alunos. Saber que eu tinha esse respaldo me deu tranquilidade para focar no conteúdo e na metodologia.
A soma desses esforços criou um clima favorável: os alunos sentiram que aquele momento era especial, apoiado pela comunidade escolar como um todo. Nada melhor do que unir forças em prol da educação e da cultura. A todos do Grêmio e da direção, deixo aqui meu muito obrigado, sem vocês, a Foco Criativo não teria acontecido com tanto êxito.
Conclusão: Um Ciclo que se Completa
Ao final do segundo dia, quando nos reunimos para fechar a oficina, confesso que fiquei com os olhos marejados. Ver aqueles jovens apresentando seus vídeos finais, com orgulho e brilho nos olhos, me fez voltar no tempo e, ao mesmo tempo, visualizar o futuro. Senti que, de certa forma, um ciclo se completou na minha vida: eu, que já sentei naquelas carteiras sonhando em trabalhar com arte e comunicação, retornei ali para plantar sementes semelhantes nos corações da nova geração.
Cada rostinho feliz, cada estudante que veio me agradecer no final dizendo que aprendeu algo novo ou que se inspirou a continuar criando, foi a confirmação de que valeu a pena. Mais do que ensinar sobre audiovisual, saio dessa experiência com a sensação de ter contribuído para que esses jovens acreditem em si mesmos e em seus potenciais criativos. E quem sabe, no futuro, algum deles estará de volta ao Castelo Branco, também como ex-aluno, compartilhando aquilo que aprendeu na vida.
Considerando que os participantes da oficina Foco Criativo são, em sua maioria, adolescentes com menos de 18 anos, optamos por não publicar os vídeos produzidos por eles em plataformas abertas, como redes sociais ou YouTube. Essa decisão tem como objetivo preservar a imagem e a privacidade dos envolvidos, respeitando os cuidados éticos e legais quanto à exposição de menores de idade.
Em contrapartida, o conteúdo programático da oficina — incluindo os slides utilizados, trechos de roteiro e storyboards desenvolvidos pelos alunos — será disponibilizado ao público aqui no blog da Agência Quintal Criativo. Além disso, farei publicações informativas nas minhas redes sociais (Instagram e Facebook), compartilhando trechos da metodologia aplicada, imagens dos bastidores e reflexões sobre a experiência. O objetivo é inspirar outros educadores, coletivos e instituições culturais a replicarem essa oficina em suas comunidades, adaptando para seus próprios contextos e realidades.
A cultura tem esse poder transformador e conectivo. Sou imensamente grato por ter tido a oportunidade, através da Lei Paulo Gustavo, de viver esse momento único. Meu obrigado a todos que participaram, organizaram e apoiaram. Que esta tenha sido apenas a primeira de muitas iniciativas onde escola, arte e comunidade andem de mãos dadas.











