Quando a Cultura Deixa de Ser Invisível

Por Cleverson Schuengue Artista, produtor cultural, publicitário, diretor da Agência Quintal Criativo e idealizador da pesquisa. Pinhais sempre foi mais do que meu endereço. Foi onde nasci, cresci, toquei, representei, escrevi, sonhei e fui aprendendo a olhar minha cidade como quem observa um palco: cada rua com sua história, cada pessoa com sua cena. Como artista e publicitário, venho há anos navegando entre a arte e a comunicação. Como produtor cultural, aprendi a organizar ideias para que essas histórias pudessem sair do papel. E foi com essa bagagem e um sentimento profundo de pertencimento que nasceu o projeto de inventário do patrimônio cultural material e imaterial de Pinhais, aprovado pela Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura. Neste texto, quero falar sobre o impacto cultural dessa iniciativa. Não apenas no sentido técnico, mas humano, simbólico e social. Porque mais do que listar bens, este projeto escutou, reconheceu e valorizou aquilo que, muitas vezes, passa despercebido: as tradições vivas, os mestres de ofício, os espaços simbólicos, as práticas coletivas que moldam nossa identidade.

INVENTÁRIO E PESQUISA SOBRE PATRIMÔNIO CULTURAL MATERIAL E IMATERIAL LOCAL

Cleverson Schuengue

4/1/20254 min read

O que é, de fato, um impacto cultural?

Impacto cultural não se mede só em números. Ele se percebe quando um mestre de capoeira diz que, pela primeira vez, seu grupo foi incluído em um projeto oficial da cidade. Quando uma liderança indígena vê sua história contada com respeito. Quando um artesão tem seu ofício reconhecido como patrimônio. Quando um espaço comunitário deixa de ser apenas “um galpão” e passa a ser chamado de centro cultural.

Foi isso que buscamos neste trabalho: dar nome, rosto e valor às manifestações culturais da cidade, produzindo um inventário com 50 bens catalogados — entre eles, igrejas, espaços históricos, festas, ofícios, saberes, práticas educativas e artísticas.

O resultado não é apenas um relatório técnico. É um espelho identitário para os moradores de Pinhais. Um documento que pode e deve ser usado em políticas públicas, projetos pedagógicos, ações comunitárias, turismo cultural e iniciativas de preservação.

O impacto para as comunidades envolvidas

Cada entrevista que realizei foi, antes de tudo, um encontro. Sentar para ouvir o mestre Marcelo da capoeira, o Eriton da comunidade indígena, o Aroldo da escola de samba, o Luciano do ateliê, o Anderson do acervo histórico, o pessoal do CTG... foi perceber que a cidade pulsa cultura mesmo quando ela não é vista, nem ouvida.

O impacto para essas comunidades começa pelo reconhecimento. Muitas delas estão há anos mantendo tradições, oficinas, eventos e práticas de forma totalmente autônoma, com pouco ou nenhum apoio público. Quando são incluídas em uma pesquisa oficial, passam a ter seus direitos culturais fortalecidos.

Além disso, o registro técnico e fotográfico de suas ações abre portas para que sejam reconhecidas como Pontos de Cultura, beneficiadas por editais, projetos de incentivo ou políticas de fomento contínuas​.

O impacto para as políticas públicas

Durante a pesquisa, ficou evidente que Pinhais carece de mecanismos institucionais mais estruturados para preservação cultural. Apesar de contar com um inventário inicial bem organizado no site da biblioteca, os registros são pouco divulgados, com baixa navegabilidade, e sem conexão com os territórios.

A inexistência de um museu municipal ou de um centro de memória limita a visibilidade dos bens culturais materiais. Os acervos estão espalhados, sem sinalização adequada e sem uma política de gestão integrada.

O projeto, portanto, oferece subsídios técnicos e humanos para a construção de novas políticas públicas culturais em Pinhais. Entre as recomendações destacadas no relatório final, estão:

  • Criação de editais específicos para patrimônio imaterial e cultura comunitária;

  • Fortalecimento da educação patrimonial nas escolas municipais;

  • Requalificação de espaços já existentes com foco em acessibilidade e uso social;

  • Registro oficial dos bens imateriais em instâncias municipais;

  • Criação de banco de dados público e digital com navegação acessível​.

O impacto para a memória coletiva e o pertencimento

Preservar cultura é preservar identidade. E quando essa identidade começa a ser documentada com afeto, escuta e cuidado, ela fortalece o pertencimento das pessoas ao seu território.

Nas escolas, isso pode virar conteúdo. Nas ruas, pode virar orgulho. Para os jovens, pode ser uma referência de origem. Para os mais velhos, um reconhecimento daquilo que foi vivido.

Durante uma das entrevistas, uma frase me marcou profundamente. Um dos participantes me disse:
“Agora sim parece que estão olhando pra gente como parte da cidade, e não só como algo à margem.”

Essa frase resume o impacto mais profundo que um projeto como esse pode gerar: tornar visível o que é essencial.

O impacto enquanto legado

Este projeto não termina em um PDF ou em um site. Ele precisa continuar — e pode inspirar outras ações.

Deixamos como legado:

  • Um inventário atualizado e ilustrado com 50 bens culturais locais;

  • Entrevistas transcritas e registradas com seis representantes culturais da cidade;

  • Propostas de encaminhamento para políticas públicas de preservação e fomento;

  • Materiais de base para oficinas, formações, debates e projetos de continuidade.

Além disso, todas as entrevistas serão transformadas em conteúdos para o blog da Agência Quintal Criativo, com matérias especiais sobre cada depoimento, permitindo que mais pessoas tenham acesso a essas vozes e saberes.

E para mim, qual foi o impacto?

Como artista, foi um reencontro com minha cidade.
Como publicitário, uma oportunidade de transformar dados em significado.
Como produtor cultural, a certeza de que precisamos insistir, mesmo quando o recurso é pouco.

E como cidadão, a convicção de que Pinhais tem uma riqueza cultural que precisa ser protegida, celebrada e multiplicada.

Não existe cultura sem memória. E não existe memória sem escuta.

Conclusão: cultura como eixo e não como adereço

Projetos como este não deveriam ser exceção. Deveriam ser parte da rotina de qualquer município que se leve a sério como território de cultura, história e identidade.

A cultura não é um extra. Ela é base. É eixo. É estrutura.
É o que nos mantém vivos — mesmo quando o concreto e o tempo tentam apagar nossas marcas.

Que este trabalho possa inspirar outros. E que a cultura de Pinhais continue sendo aquilo que ela já é: forte, diversa, resistente e cheia de histórias que ainda precisam ser contadas.

📖 Leia todas as matérias da série no blog da Agência Quintal Criativo:
www.agenciaquintalcriativo.com.br

📍Fontes e Referências:

  • UNESCO – Culture & Sustainable Development (2019)

  • Stuart Hall – A identidade cultural na pós-modernidade (1997)

  • Néstor García Canclini – Culturas Híbridas (2003)

  • Prefeitura Municipal de Pinhais – pinhais.pr.gov.br

Imagem colorida mostrando uma escultura artística em formato de uma orelha humana, feita em fibra de vidro, posicionada verticalmente sobre o gramado do Ateliê Corbeline, em Pinhais. A obra está parcialmente coberta por plantas, galhos e folhas que crescem ao redor e sobre ela, integrando-se de forma orgânica à mata que a cerca. A escultura representa a escuta como símbolo central da sensibilidade artística e do processo criativo do ateliê. Na parte inferior da imagem, aparecem os logotipos da Política Nacional Aldir Blanc, Ministério da Cultura e Governo Federal.