A Festa do Divino Espírito Santo de Curitiba: Patrimônio Imaterial e os Caminhos da Preservação
Na minha trajetória como produtor cultural em Curitiba, convivo com manifestações que, embora invisibilizadas, são estruturantes da identidade cultural paranaense. Uma delas é a tradicional Festa do Divino Espírito Santo, celebração de origem portuguesa que resiste há mais de um século na região metropolitana, especialmente nos bairros populares e na periferia. Trata-se de uma manifestação religiosa, mas também social, que envolve novenas, procissões, música folclórica, gastronomia típica e toda uma rede de saberes transmitidos oralmente entre gerações.
INVENTÁRIO E PESQUISA SOBRE PATRIMÔNIO CULTURAL MATERIAL E IMATERIAL LOCAL
Cleverson Schuengue
11/20/20252 min read


Arqueologia contra o Esquecimento
A leitura do artigo sobre o Cais do Valongo me provocou reflexões profundas. Lima, Sene e Souza (2016) demonstram como a arqueologia pode ser um instrumento poderoso contra as "amnésias sociais" — recuperando memórias enterradas e apagadas intencionalmente. No caso do Valongo, duzentos anos depois, as pedras voltaram à tona, trazendo consigo a materialidade dolorosa do maior porto de escravizados das Américas. Esse resgate resultou em processos legais complexos: a atuação do Iphan, o tombamento federal e, posteriormente, o encaminhamento do dossiê à UNESCO para reconhecimento como Patrimônio Mundial em 2017.
Patrimônio Material vs. Imaterial: Caminhos Distintos
Comparando com a Festa do Divino, percebo que os processos legais de preservação patrimonial no Brasil seguem diferentes caminhos dependendo da natureza do bem cultural. No caso de um patrimônio imaterial como a festa, o instrumento legal principal seria o Registro, previsto pelo Decreto nº 3.551/2000. O Estado, por meio do Iphan em nível federal — ou órgãos estaduais e municipais, como a Coordenação de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Curitiba —, iniciaria um processo de Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), mapeando os saberes, as celebrações, os mestres e praticantes, as formas de expressão e os lugares onde a festa acontece.
Diferentemente do tombamento, que se aplica a bens materiais e impõe limitações ao uso e modificação do bem, o Registro de patrimônio imaterial busca salvaguardar a prática cultural, apoiando sua continuidade sem engessar suas transformações naturais. O Estado deveria, então, implementar um Plano de Salvaguarda, garantindo apoio financeiro, formação de novas gerações, documentação audiovisual e inserção da festa nos calendários culturais oficiais. No entanto, sabemos que na prática esses processos são lentos, burocráticos e muitas vezes esbarram na falta de vontade política e de recursos.
Do Papel à Prática: O Desafio da Salvaguarda
Como produtor cultural que atua no "chão", vejo que o reconhecimento legal não basta. É preciso articulação comunitária, mobilização social e diálogo constante entre poder público, academia e comunidade. O caso do Valongo mostra que a visibilidade pública e o valor simbólico atribuído ao patrimônio são decisivos para sua preservação. A festa do Divino, assim como o Cais do Valongo em seu tempo, corre o risco de ser invisibilizada, apagada por políticas urbanas e culturais que não reconhecem seu valor.
Cabe a nós, produtores e agentes culturais, lutar para que essas memórias não sejam soterradas pelo esquecimento. Depois de 25 anos nos palcos e mais de cinco anos produzindo projetos culturais, aprendi que preservação patrimonial é, antes de tudo, ação política e compromisso territorial.
Cleverson Schuengue dos Reis
Diretor Criativo | Agência Quintal Criativo
20 de novembro de 2025
Abraços Culturais
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Se você quer entender melhor como projetos culturais podem impactar comunidades e preservar memórias, leia também: Novembro do MinC: O Que Mudou de Verdade e Onde Estão as Oportunidades Reais
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Referências
LIMA, T. A.; SENE, G. M.; SOUZA, M. A. T. de. Em busca do Cais do Valongo, Rio de Janeiro, século XIX. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 299-391, jan./abr. 2016.


